“Saudades da aglomeração, não é, minha filha?“
Não faço ideia há quanto tempo estamos isolados. Essa quarentena parece que não vai mais acabar. Por aqui ela iniciou em dezembro, quando Maria Teresa nasceu. Como toda mãe que respeita as recomendações dos pediatras, mantemos a regra de permanecer em casa nos primeiros meses de vida do bebê, evitando que a criança seja exposta precocemente ao mundo dos vírus. O que eu não podia imaginar é que nesse tempo apareceria uma Pandemia para acabar com minha paz maternal e planejamento de um ano inteiro.
Esse foi o primeiro pós-parto planejado nessa casa. Eu me organizei, fiz rotina para as férias, rotina volta as aulas, rotina de exercícios, rotina de estudos, e foi tudo por água abaixo. Uma frustração daquelas. Sem contar que tem dias mais intensos que os outros. Aqueles dias em que a paciência falta, sabe? Nos primeiros dias, por exemplo, eu acreditava que fosse algo passageiro. Mesmo vendo o cenário num todo, e os noticiários, eu queria acreditar que tudo se resolveria em um mês, no máximo. E me iludi consciente.
Com o isolamento, as aulas foram suspensas por tempo indeterminado, as crianças voltaram para casa e sem brincar na rua com os amigos, nada de visitas à família, e mais estressadas e entediadas que em dias normais. Surgiram tarefas e aulas online e, nesse momento, passando mais tempo na frente da TV do que eu realmente gostaria. Brincam mais, confesso. São irmãos parceiros para uma vida inteira, mas brigam muito também. E como brigam! A frase mais falada por eles: “Mãe, ele(a) tá me provocando…”
A vontade, em muitos momentos, é de ficar sozinha e gastar um tempo com meu egoísmo e destempero.
O cansaço e o estresse materno tem consumido minha sanidade mental. Acredito que umas sessões de terapia resolvam. Mas a desordem…essa me desestabiliza completamente. É um dos pontos que preciso ver com certa urgência. Não ficar em paz com brinquedo espalhado pela casa e pela pia cheia de louça, não é nada saudável. O que sei dizer é que estar em casa com meus filhos é, sem dúvida, a melhor e a pior coisa que existe. E entenda esse pior, pelo amor ao Bom Deus.
Eu os amo. Meus filhos são minha razão de ser. E por isso tem sido tão conflitante estar em casa. Esses pequenos seres, tão parecidos e tão diferentes de mim, possuem virtudes e misérias que necessitam de uma atenção especial. Atenção essa que nem sempre eu quero ou consigo dar. Exaustão mental é humilhante. A vontade, em muitos momentos, é de ficar sozinha e gastar um tempo com meu egoísmo e destempero. E é aí que preciso voltar e me lembrar que eu sou a força e segurança que eles precisam nesse período. E que também não está fácil para eles.
Me abalar com o dia-a-dia é um desequilíbrio de sobrecarga. Assumir isso é tão doloroso quanto enfrentá-lo. Muito em breve vou sentir falta de ouvir 3756 vezes ao dia da galerinha gritando “manhê”, assim que voltar a trabalhar integralmente. E vou sentir saudades deles e querer tudo isso de novo. Nada como uma pandemia para nos ensinar a frear a força.
Hoje, com minha amnésia materna dimensionada, não consigo dizer onde eu estava quando tudo isso começou. Lembro das crianças voltando da escola, o jornal noticiando pandemia, coronavírus, mortes, mas não sei, com exatidão, contar como era nossa vida antes de tudo isso. Vivendo o hoje, apesar de mim, apesar de nós, e deles, estamos sobrevivendo. E não tem sido fácil.